MCTB010 – 1q’20 – Aula 10 (22.4.20)

Teorema do Núcleo e da Imagem (prova). Determinantes, formas de volume e
p-formas

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Teorema do Núcleo e da Imagem

Recapitularemos em breve o contexto da aula 9. Sejam V,W espaços vetoriais (reais), e T:V\To W uma transformação linear (t.l.) de V em W, ou seja, dados vetores \vx,\vx' em V e um escalar \alpha\in\RR quaisquer, temos que

  • T(\vx+\vx')=T\vx+T\vx';
  • T(\alpha\vx)=\alpha T\vx,

(lembrar que escrevemos T(\vx)=T\vx se T é uma t.l.) de modo que se \vx=\sum^k_{j=1}\alpha_j\vx_j é uma combinação linear (c.l.) de vetores \vx)_j\in V com coeficientes \alpha_j\in\RR, j=1,\ldots,k, então

    \[T\left(\sum^k_{j=1}\alpha_j\vx_j\right)=\sum^k_{j=1}\alpha_j T\vx_j\ .\]

(ver o início da aula 3 para a definição do símbolo de somatória num espaço vetorial) Sendo T uma aplicação de V em W, podemos definir, dados S\subset V, \tilde{S}\subset W, a imagem de S por T

    \[T(S)=\{\vy=T\vx\ |\ \vx\in S\}\]

e a imagem inversa de \tilde{S} por T

    \[T^{-1}(\tilde{S})=\{\vx\in V\ |\ T\vx\in\tilde{S}\}\ .\]

Em particular, se S=\{\vx\}, escrevemos T^{-1}(S)=T^{-1}(\{\vx\})=T^{-1}(\vx).

Cabe aqui uma observação sobre a notação empregada: notar que T não precisa ser invertível para definirmos imagens inversas, pois T^{-1}(S) e, em particular, T^{-1}(\vx) denotam subconjuntos de V, não vetores. Assim, T^{-1}(\vx) pode ser vazio (nesse caso, T não pode ser sobrejetora) ou ter mais de um vetor (nesse caso, T não pode ser injetora). Somente no caso em que T é bijetora (i.e. iinvertível) é que T^{-1}(\vx) é unitário para todo \vx\in V e portanto pode ser identificado com seu único elemento, definindo assim a inversa T^{-1} de T.

Segue dessas definições que

    \[\begin{split} T(L(S)) &=\left\{\vy=T\left(\sum^k_{j=1}\alpha_j\vx_j\right)\ \bigg|\ \alpha_1,\ldots,\alpha_k\in\RR\ ,\, \vx_1,\ldots,\vx_j\in S\right\}\\ &=\left\{\vy=\sum^k_{j=1}\alpha_jT\vx_j\ \bigg|\ \alpha_1,\ldots,\alpha_k\in\RR\ ,\,\vx_1,\ldots,\vx_j\in S\right\}\\ &=L(T(S)) \end{split}\]

— em particular, a imagem

    \[\Im(T)=T(V)\]

de T é subespaço vetorial de W – e que o núcleo

    \[\ker(T)=T^{-1}(\og)\]

de T é subespaço vetorial de V: se \vx,\vx'\in\ker(T) e \alpha\in\RR quaisquer, então

    \[T(\vx+\vx')=T\vx+T\vx'=\og+\og=\og\]

e

    \[T(\alpha\vx)=\alpha T\vx=\alpha\og=\og\ ,\]

portanto \vx+\vx',\alpha\vx\in\ker(T).

Por definição, T é sobrejetora se e somente se

    \[\Im(T)=W\ .\]

Além disso, T é injetora se e somente se

    \[\ker(T)=\{\og\}\ .\]

De fato, se \ker(T)=\{\og\} e \vx,\vx'\in V satisfazem T\vx=T\vx', temos que T\vx-T\vx'=T(\vx-\vx')=\og e portanto \vx-\vx'=\og. Conversamente, temos que se T\vx=\og então T(\vx+\vx')=T\vx+T\vx'=T\vx' para todo \vx'\in V. Logo, se T é injetora, nesse caso \vx=\og. A sobrejetividade e a injetividade de uma t.l. T:V\To W podem ser expressas em termos de sua ação sobre (certos) subconjuntos l.i. S\subset V:

  • T é sobrejetora se e somente se, dada uma base S qualquer de V, temos que L(T(S))=\Im(T)=W. (a primeira identidade segue do cálculo acima, e a segunda identidade é a definição da sobrejetividade de T)
  • T é injetora se e somente se, dado um subconjunto l.i. S\subset V qualquer, temos que T(S) \emph{também é l.i.}. (suponha que T(S) é l.i. para todo S\subset V l.i., então T\vx\neq\og se \vx\neq\og e portanto T é injetora. Conversamente, se T é injetora e \vx_1,\ldots,\vx_k são l.i., sejam \alpha_1,\ldots,\alpha_k\in\RR tais que \sum^k_{j=1}\alpha_kT(\vx_k)=\og=T\left(\sum^k_{j=1}\alpha_j\vx_j\right). Então \sum^k_{j=1}\alpha_j\vx_j=\og e portanto \alpha_1=\cdots=\alpha_k=0, logo T(\vx_1),\ldots,T(\vx_k) são l.i.)

Em particular, T é bijetora se e somente se T(S) é base de W para toda base S de V. Em outras palavras, o exemplo típico de t.l.’s bijetoras ocorre ao efetuarmos uma mudança de base. Se V tem dimensão finita, ambos os fatos acima são casos particulares de um resultado geral, conhecido como Teorema do Núcleo e da Imagem. Dados espaços vetoriais (reais) V,W e T\in L(V,W), o posto (“rank” em inglês) R(T) de T é dado por

    \[R(T)=\dim(\Im(T))\ ,\]

e a nulidade N(T) de T por

    \[N(T)=\dim(\ker(T))\ .\]

Obviamente R(T),N(T)\leq\dim(V) pois L(T(S))=\Im(T) se S é base de V e \ker(T) é subespaço vetorial de V.

Teorema do Núcleo e da Imagem. Sejam V,W espaços vetoriais (reais), n=\dim(V)<\infty, e T\in L(V,W). Então


    \[N(T)+R(T)=\dim(V)=n\ .\]


Prova. Definamos k=N(T), l=R(T). Sejam S_0=\{\ve_1,\ldots,\ve_k\} uma base de \ker(T) e \tilde{S}_1=\{\vf_1,\ldots,\vf_l\} uma base de \Im(T), de modo que \vf_i=T\ve_{k+i} para algum \ve_{k+i}\in V, i=1,\ldots,l. Obviamente \ve_{k+i}\not\in\ker(T) para todo i=1,\ldots,l; mostraremos agora que definindo S_1=\{\ve_{k+1},\ldots,\ve_{k+l}\}, temos que S=S_0\cup S_1=\{\ve_1,\ldots,\ve_{k+l}\} é base de V. Primeiramente, notar que S é l.i.: dados \alpha_1,\ldots,\alpha_{k+l}\in\RR tais que \sum^{k+l}_{j=1}\alpha_j\ve_j=\og, temos que


    \[T\left(\sum^{k+l}_{j=1}\alpha_j\ve_j\right)=\og=\sum^{k+l}_{j=1}\alpha_jT\ve_j=\sum^l_{i=1}\alpha_{k+i}\vf_i\]


e portanto \alpha_{k+1}=\cdots=\alpha_{k+l}=0 pois \tilde{S}_1 é l.i.. Logo, \sum^k_{j=1}\alpha_j\ve_j=\og e portanto \alpha_1=\cdots=\alpha_k=0 pois S_0 é l.i.. Falta apenas concluir que L(S)=V — para tal, notar que dado \vx\in V, podemos escrever


    \[T\vx=\sum^l_{i=1}x_{k+i}\vf_i=\sum^l_{i=1}x_{k+i} T\ve_{k+i}=T\left(\sum^l_{i=1}x_{k+i}\ve_{k+i}\right)\]


para uma (única) escolha de x_{k+1},\ldots,x_{k+l}\in\RR. Defina


    \[\vx_1=\sum^l_{i=1}x_{k+i}\ve_{k+i}\ ,\,\vx_0=\vx-\vx_1\ .\]


Segue que T\vx=T\vx_1 e portanto \vx_0\in\ker(T), pois


    \[T\vx_1=\sum^l_{i=1}x_{k+i}\vf_1=T\vx\ ,\,T\vx_0=T(\vx-\vx_1)=T\vx-T\vx=\og\ ,\]


logo podemos escrever \vx_0=\sum^k_{j=1}x_j\ve_j para uma (única) escolha de x_1,\ldots,x_k\in\RR e portanto \vx=\sum^{k+l}_{j=1}x_j\ve_j, como desejado.  \Box

O Teorema do Núcleo e da Imagem possui várias consequências. No que se segue, V,W são espaços vetoriais (reais) com \dim(V)<\infty.

  1. T\in L(V,W) é sobrejetora se e somente se N(T)=\dim(V)-\dim(W). Em particular, T não pode ser sobrejetora se \dim(W)>\dim(V).
  2. T\in L(V,W) é injetora se e somente se R(T)=\dim(V).
  3. T\in L(V,W) é bijetora se e somente se \dim(\Im(T))=\dim(V)=\dim(W).
  4. Se T\in V', então \dim(\ker(T))=\dim(V)-1 ou \dim(V), e o último caso ocorre se e somente se T=0.

O fato (iv) acima fornece uma maneira alternativa de obter o Lema de Riesz:

Lema de Riesz. Seja V um espaço vetorial (real), \dim(V)<\infty. Dado T\in V', existe um único vetor \vx_T\in V tal que T\vx=\spr{\vx_T,\vx} para todo \vx\in V – a saber,


    \[\vx_T=\begin{cases} \og & (T=0) \\ \frac{T\vz_T}{\|\vz_T\|^2}\vz_T &(T\neq 0) \end{cases}\ ,\]


onde \og\neq\vz_T é um vetor ortogonal a \ker(T) (notar que, pelo Teorema do Núcleo e da Imagem, \vz_T é único a menos de um múltiplo escalar).

Prova. Comecemos com a questão da unicidade. Se \vz,\vz'\in V são tais que T\vx=\spr{\vz,\vx}=\spr{\vz',\vx} para todo \vx\in V, então


    \[\spr{\vz-\vz',\vx}=T\vx-T\vx=0\]


para todo \vx\in V. Em particular, tomando \vx=\vz-\vz' obtemos \|\vz-\vz'\|^2=0 e portanto \vz=\vz'. Passando agora à questão da existência, se T=0 obviamente não há outra escolha para \vx_T a não ser \vx_T=\og. Se T\neq 0, seja \vz\in T tal que T\vz\neq\og. Podemos então construir uma base o.n. S_0=\{\ve_1,\ldots,\ve_{n-1}\} de \ker(T) e portanto a projeção ortogonal P_{\ker(T)} sobre \ker(T). De maneira similar à adotada na ortonormalização de Gram-Schmidt, defina


    \[\vz_T=\vz-P_{\ker(T)}\vz\ ,\,\ve_n=\frac{1}{\|\vz_T\|}\vz_T\ ,\]


de modo que S=\{\ve_1,\ldots,\ve_n\} é base o.n. de V. Mostraremos agora que se \vx_T tem as propriedades listadas no enunciado do Lema de Riesz, então


    \[\vx_T=(T\ve_n)\ve_n=\frac{T\vx_T}{\|\vz_T\|^2}\vz_T\ .\]


De fato, dado \vx\in V qualquer, podemos escrever


    \[\vx=P_{\ker(T)}\vx+(\vx-P_{\ker(T)}\vx)\ ,\quad\vx-P_{\ker(T)}\vx=\spr{\ve_n,\vx}\ve_n\]


e portanto


    \[T\vx=TP_{\ker(T)}\vx +\spr{\ve_n,\vx}T\ve_n=\spr{(T\ve_n)\ve_n,\vx}\ ,\]


como desejado.  \Box

Notar que \vx_{T_1+T_2}=\vx_{T_1}+\vx_{T_2} e \vx_{\alpha T}=\alpha\vx_T para T_1,T_2\in V', \alpha\in\RR quaisquer. Vamos agora estabelecer a relação da fórmula obtida no Lema de Riesz com a fórmula que já tínhamos obtido anteriormente: se T\in V' e S=\{\ve_1,\ldots,\ve_n\} é uma base o.n. de V, então

    \[   \begin{split}     V\ni\vx &=\sum^n_{j=1}x_j\ve_j\ \Then\ T\vx=\sum^n_{j=1}x_j T\ve_j=\spr{\vx_T,\vx}\\     \Then\ \vx_T &=\sum^n_{j=1}(T\ve_j)\ve_j\ .   \end{split} \]

Em particular, \vx_T é ortogonal a \ker(T) e

    \[ T\vx_T=\sum^n_{j=1}(T\ve_j)^2=\|\vx_T\|^2\ , \]

logo T\vx_T=\og se e somente se T=0.

Aproveitamos o momento para introduzir uma notação alternativa para \vx_T, que será a notação padrão daqui em diante. Dados \vx\in V, T\in V', definimos \vx^\flat\in V', T^\sharp\in V como

    \[\vx^\flat(\vx')=\spr{\vx,\vx'}\ (\vx'\in V)\ ,\quad T^\sharp=\vx_T\ .\]

Fica claro que (\vx^\flat)^\sharp=\vx e (T^\sharp)^\flat=T para \vx\in V, T\in V' quaisquer. Além disso, as aplicações V\ni\vx\mapsto\vx^\flat\in V' e V'\ni T\mapsto T^\sharp\in V são t.l.’s (exercício: verifique!), portanto denotar-las-emos por isomorfismos musicais.

Próxima aula

Na próxima aula começaremos a falar de determinantes, formas de volume e p-formas, partindo da motivação dada pela área de paralelogramos.

Pedro Lauridsen Ribeiro

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